A importância de uma atuação proativa da vítima nos delitos que envolvem o transporte de cargas

O Brasil, sendo o quinto maior país do mundo em extensão territorial, com aproximadamente 8,5 milhões de quilômetros quadrados, ficando atrás apenas da Rússia, do Canadá, da China e dos Estados Unidos, possui no modal rodoviário sua principal via de escoamento logístico. Este representa entre 60% a 70% da matriz de transporte de cargas do país. Tal predominância decorre, em grande parte, da extensa malha viária que interliga regiões diversas, inclusive aquelas desprovidas de alternativas viáveis como o modal ferroviário ou aquaviário, seja por limitações naturais, seja pela histórica ausência de investimentos em infraestrutura.

Em paralelo, o Brasil figura entre os países com mais elevados índices de criminalidade, o que, aliado à preponderância do transporte rodoviário, resulta em um ambiente propício para a prática de crimes patrimoniais, notadamente o roubo e a receptação de cargas. Tal realidade se mostra ainda mais grave nas regiões Sul e Sudeste, que concentram elevado nível de atividade industrial.

De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (SINESP), somente entre janeiro e setembro de 2024, foram registrados aproximadamente 7.244 roubos de carga em todo o território nacional. Em resposta a elevação cada vez maior dessa modalidade de crime, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 4.104/2024, de autoria do senador Jayme Campos (União-MT), que visa recrudescer a repressão aos crimes praticados contra o transporte de valores e mercadorias.

Caso aprovado, o projeto prevê o aumento das penas cominadas para tais delitos, podendo elevar a reclusão de um terço até a metade. No caso do roubo em sua forma simples, cuja pena atualmente varia entre quatro e dez anos de reclusão, a reprimenda poderá atingir até quinze anos. Ademais, propõe-se o agravamento das penas relativas ao crime de receptação, prevendo-se reclusão de três a oito anos, cumulada com multa, para aquele que adquirir, receber, ocultar, transportar ou conduzir mercadoria proveniente de infração penal, em proveito próprio ou de terceiro.

Todavia, à luz da dogmática penal e da análise empírica da criminalidade, é forçoso reconhecer que o recrudescimento das penas, por si só, não se revela suficiente para coibir a prática delitiva. Consoante pondera o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha[1], e como amplamente discutido na doutrina, a exemplo de Franco Ferracuti e Aldo Morrone, medidas penais severas não produzem, isoladamente, redução efetiva nos índices de criminalidade. A teoria da “violência como recurso”, cunhada por tais autores, oferece importante referencial para compreensão desse fenômeno.

O cerne da questão está na inefetividade da aplicação da legislação penal, que é acentuada, no contexto dos crimes contra o transporte de cargas, pela fragmentação dos bancos de dados policiais e judiciais. A burocracia estatal, portanto, torna-se um dos principais entraves à persecução penal eficiente.

Diante disso, impõe-se a seguinte indagação: que medidas podem ser adotadas pelas empresas do setor logístico para fortalecer a segurança do transporte de cargas no país?

Sabe-se que diversas polícias judiciárias estaduais enfrentam sérias deficiências estruturais, o que é explorado por organizações criminosas altamente especializadas. Tais grupos se beneficiam da ausência de investigações aprofundadas que poderiam identificar os reais beneficiários da atividade criminosa, em especial os receptadores finais.

Essa fragilidade gera distorções na persecução penal. Um exemplo recorrente é o flagrante de indivíduo conduzindo carreta com carga subtraída. Muitas vezes, tal indivíduo não participou diretamente do roubo, atuando apenas no transporte. Em tais casos, é autuado por receptação simples e encaminhado à audiência de custódia. Caso o Ministério Público não tenha acesso aos seus antecedentes em outros estados, ou ao seu vínculo com organização criminosa, o autor poderá se beneficiar de institutos despenalizadores, como a transação penal, a suspensão condicional do processo ou o acordo de não persecução penal, previstos na Lei nº 9.099/95 e no artigo 28-A do Código de Processo Penal.

Tais situações evidenciam a necessidade de um banco nacional integrado de informações criminais, que possibilite o intercâmbio eficiente entre os órgãos de persecução penal.

Outro modus operandi comum é o armazenamento das cargas subtraídas em galpões locados em nome de terceiros, com uso de documentos inidôneos. Quando a carga é localizada, apenas o preposto ou “caseiro” é conduzido à Delegacia, e presumida a boa-fé do proprietário do imóvel. Nesses casos, é imprescindível o cruzamento de dados entre locatários, empresas e regiões, pois há indícios de reincidência do mesmo estratagema em diversos estados. Tal cruzamento já foi utilizado em alguns casos.

Dessa forma, é fundamental que as empresas adotem postura colaborativa e estratégica, reunindo e compartilhando informações relevantes com as autoridades. Exemplos incluem: antecedentes criminais de investigados, vínculos de veículos com outras ocorrências, dados de receptadores contumazes, relações com galpões suspeitos e cruzamentos de informações entre regiões.

A atuação proativa do lesado, neste contexto, deve transcender a mera notícia do crime, assumindo papel ativo na construção de um sistema repressivo mais eficiente, fundamentado na inteligência logística, jurídica e investigativa. Somente por meio dessa sinergia entre setor privado e autoridades públicas será possível enfraquecer de modo efetivo as redes criminosas envolvidas no desvio de cargas em território nacional.

[1] Disponível em 29 de janeiro de 2025 em https://www.conjur.com.br/2022-jun-30/ministro-stj-aumento-penas-nao-reduz-criminalidade/.

fonte: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/a-importancia-de-uma-atuacao-proativa-da-vitima-nos-delitos-que-envolvem-o-transporte-de-cargas/